sexta-feira, 29 de maio de 2009

Cora Coralina


Estavam ali parados. Marido e mulher.

Esperavam o carro.

E foi que veio aquela da roça

tímida, humilde, sofrida.

Contou que o fogo, lá longe,

tinha queimado seu rancho,e tudo que tinha dentro.

Estava ali no comércio pedindo um auxílio para levantar

novo rancho e comprar suas pobrezinhas.




O homem ouviu. Abriu a carteira tirou uma cédula,

entregou sem palavra.

A mulher ouviu.

Perguntou, indagou, especulou, aconselhou,

se comoveu e disse que Nossa Senhora havia de ajudar

E não abriu a bolsa.

Qual dos dois ajudou mais?

Donde se infere que o homem ajuda sem participar

e a mulher participa sem ajudar.




Da mesma forma aquela sentença:

"A quem te pedir um peixe, dá uma vara de pescar".

Pensando bem, não só a vara de pescar,

também a linhada,o anzol, a chumbada, a isca, apontar um poço piscoso

e ensinar a paciência do pescador.

Você faria isso, Leitor?

Antes que tudo isso se fizesse

o desvalido não morreria de fome?



Conclusão:Na prática, a teoria é outra.


(Ana Lins do Guimarães Peixoto Brêtas), 20/08/1889

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Negro

Traços
vincos
marcas
Na face há dor


Jeito
ginga
capoeira
seu corpo lutou


Liberdade
Contra a maldade do algoz


Me espanto
o canto
a saudade na voz


Os passos
o espaço
entre a cerca e o engenho

Não corre tu
morres
Zumbi


Pro tronco
não volto
a morte é melhor


Na mira não
corre tu morres
Zumbi


Abismo
vivo?
morto?
chão
saudades
ZUMBI

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Fernandinho(pros íntimos)

Fernando Pessoa

Sorriso audível das folhas

Sorriso audível das folhas
Não és mais que a brisa ali
Se eu te olho e tu me olhas,
Quem primeiro é que sorri?
O primeiro a sorrir ri.


Ri e olha de repente
Para fins de não olhar
Para onde nas folhas sente
O som do vento a passar
Tudo é vento e disfarçar.








Mas o olhar, de estar olhando Onde não olha, voltou E estamos os dois falando O que se não conversou Isto acaba ou começou?